Postado por Zeca Camargo em 19 de março de 2009 às 09:44
Pobre Coldplay. Quando eles acham que deram um grande salto e conseguiram disfarçar a ambição de ser o U2 do século 21 (”Viva la vida” não era mesmo de todo mau - falo de coração!), vem o próprio U2 e lança um novo álbum para mostrar a todos que o U2 do século 21 é… o próprio U2!
Sim! - caso você não tenha sido atingido pelo tsunami de mídia que acompanhou o lançamento deste novo álbum, cabe a mim anunciar que eles estão de volta. E como! “No line on the horizon”, que acabo de comprar online, em MP3 (pois é… até eu), é exatamente o tipo de disco do U2 que eu gosto: diferente, experimental, grandioso e discreto ao mesmo tempo, e (o mais importante) sem medo de correr riscos. O U2, por exemplo, de “Achtung baby” - o álbum que me converteu num fã da banda.
Devotos do U2, não fiquem loucos comigo. Como já disse ao próprio Bono (na segunda vez em que o entrevistei), eu era apenas um admirador distante da banda durante todos os anos 80. Era impossível negar então a força de alguns de suas canções - “I will follow”, “Pride (in the name of love)”, e, claro, “Sunday bloody sunday”, para citar apenas três clássicos. Mas desde o início da carreira deles até 1991, o U2 me pareceu apenas uma banda competente - boa para oferecer aquelas faixas catárticas que funcionam num show de estádio, com um cantor extremamente carismático e sério, mas que ficava devendo um pouquinho num quesito que me é muito caro, a “experimentação”.
“The Joshua tree”, para fazer justiça, já havia tinha me chamado atenção por querer procurar um caminho diferente para a banda - flertando, sobretudo, com o a música americana. Como não reconhecer o potencial “romântico-messiânico” de uma música como “With or without you”, ou a perfeição exasperada de “Where the streets have no name”? Mas ainda não era o suficiente para mim… Só me convenci mesmo quando vivi a seguinte cena: reunida diante de um monitor de TV, a quase totalidade das pessoas que trabalhavam na MTV comigo assistia a um clip recém-chegado de uma faixa totalmente estranha chamada “The fly”.
O que era aquilo? - parecia ser a pergunta em cada par de olhos. Eu, muito particularmente, respondia a mim mesmo que o que estávamos vendo era uma epifania: uma banda pronta para dar um grande salto, apostando no desconhecido, e chamando os seus fãs para irem junto. Semanas depois chegou o clipe seguinte (era uma época antes da internet, entenda, e as novidades não “vazavam” na rede - trabalhar na MTV brasileira, no início dos anos 90, era, sem dúvida, uma das maneiras mais “quentes” de receber novas músicas antes de todo mundo). Que era, claro, “Mysterious ways”. Pronto: a transformação do U2 de uma banda relevante para uma transcendental estava confirmada. E eu acabava de me tornar irreversivelmente um fã incondicional deles.
Acho que ninguém vai discordar que qualquer elogio para “Achtung baby” está aquém do valor real daquele álbum. O disco é uma unanimidade - indiscutível (ou você vai me dizer que “One” é um “trabalho menor” da banda?). Mas o que dizer dos trabalhos seguintes, “Zooropa” e, principalmente, “Pop”? Já torceu o nariz, aposto… Pois eu adorei esses também. E o segundo - que geralmente é execrado -, mais ainda que o primeiro. A cada um desses trabalhos, a impressão que eu tinha era que eu encontrava um U2 ainda mais enlouquecido, testando limites musicais - para não falar dos limites da paciência de seus admiradores. E quanto mais eles me provocavam, mais eu aplaudia.
Foi na época da turnê de “Pop Mart” (1998) - a “estreia” da banda no Brasil -, que estive com Bono pela primeira vez. Eu assisti ao show semanas antes de eles virem ao Brasil, em Oakland, na Califórnia (quem abria para eles, só como curiosidade, era um uns caras que estavam tentando estourar nos Estados Unidos… um certo Oasis…). Entre as coisas que rolaram na entrevista, tive espaço para satisfazer minha curiosidade pessoal sobre o desejo dele (e da própria banda) de estar sempre se renovando. A resposta óbvia - para a pergunta, admito, nem tão original - foi que sim. Bono me garantiu que sabia que os fãs tolerariam aquelas sandices todas do álbum “Pop”, se, de vez em quando, eles voltassem a oferecer o tipo de som que os consagrou.
Que foi, diga-se, exatamente o que eles fizeram alguns anos depois com “All that you can leave behind”. De fato, os fãs se acalmaram, a crítica respirou aliviada, e o disco, como todos sabem, foi um sucesso. Este humilde admirador, porém, ficou um pouco decepcionado com a guinada, digamos, conservadora da banda. Veio então “How to dismantle an atomic bomb”, e, com exceção da delirante “Vertigo”, eu aplaudi o esforço, mas não reconheci ali o U2 das viradas mirabolantes. Mas eis que surge agora “No line on the horizon”, e meu peito se enche de alegria.
Adaptando os primeiros versos da própria faixa-título (que, aliás, abre o álbum), é como se eu estivesse diante de uma banda “que é como o mar, eu olho ela mudar todo o dia para mim”. Escutei o disco hoje inúmeras vezes - e quem disse que estou enjoado? Para não dizer que me rendi de primeira, confesso que me assustei um pouco com a grandiosidade da “comissão de frente”: tanto “No line on the horizon”, quanto “Magnificent” são quase U2 “de cartilha”, com Bono indo do sussurro ao grito na levada sempre impressionante do guitarrista The Edge (o breve solo em “Magnificent” é especialmente sedutor). Mas aí vem “Moment of surrender” - e a diversão realmente começa. Com mais de sete minutos (estou apostando que é a faixa de estúdio mais longa deles, será que alguém pode me confirmar?), ela vai te convencendo aos poucos, arrastando-se no seu ouvido até você chegar ao ponto que a própria música sugere no título: um momento de entrega (total).
Em seguida vem outra curiosa canção longa, ainda mais cheia de climas, chamada “Unknown caller”. Os arranjos ficam um pouco mais complicados em “I’ll go crazy if I don’t go crazy tonight” (êta banda que gosta de títulos compridos!) e empresta uma indiscutível beleza a uma letra (propositalmente) caótica. “Get on your boots”, você já conhece - foi o primeiro “single” e já está em altíssima rotação em mais de um site de vídeos na internet. Acho a faixa um pouco estranha - mesmo depois de repetidas audições -, mas acho que tem a ver com a vontade de experimentar. “Stand up comedy”, apesar de ter uma letra engraçada, é talvez a faixa mais convencional do álbum, mas não deixa de ser uma ótima pausa para o tobogã musical que vem a seguir.
“FEZ: being born” é daquelas músicas que não têm registro: um “mini épico”, que faz você ficar intrigado logo de cara - e vai requisitar um certo esforço para ser decifrado. “White snow”, que vem logo depois, é uma belíssima balada que deve ser um dos pontos altos de uma futura turnê. A faixa seguinte é “Breathe” e traz Bono exorcizando o Mick Jagger que existe dentro dele. E tudo termina numa misteriosa atmosfera evocada por “Cedars of Lebanon”, que fica entre o cabaré e o “chill out” - e que te desafia a ouvir tudo de novo.
Desde de 1997 eu não ouvia um U2 tão atrevido - e é por isso que estou celebrando tanto esse “retorno” à forma (pelo menos à forma que eu aprendi a gostar lá nos idos dos anos 90). E, pelo visto, não sou só eu. Como disse Jon Pareles, numa entrevista recente com a banda para o “The New York Times”, apesar de tudo que está acontecendo na indústria fonográfica, e da “idéia de um rock ‘mainstream’ parecer mais e mais uma miragem, o U2, descaradamente, ainda quer lançar um mega sucesso de vendas” - e está conseguindo: entrou direto na posição de número um na parada americana (e, posso imaginar, em vários outros lugares do mundo também).
Será que todos os fãs demonstrarão a mesma receptividade que eu? E você? Já ouviu? Concorda, pelo menos em parte, com a minha opinião - ou não? Eu mesmo estou interessado em saber o que as pessoas vão achar de “No line on the horizon”. E só o fato de uma banda que existe há mais de trinta anos despertar esse tipo de curiosidade já é mais uma prova de que, pelo menos no pop, ninguém é tão poderoso quanto eles…
(Tudo bem talvez o Radiohead seja… mas isso eu devo conferir neste fim-de-semana - não na noite de domingo, durante o show de São Paulo, quando eu vou estar “de serviço”… Mas sexta, no Rio - se eu não tiver de trabalhar até tarde… Será? Conto na segunda.)
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